segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

ESTRUTURAS SOCIAIS E POLÍTICAS: PROBLEMAS DE MUDANÇA, COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NOS SISTEMAS TRANSICIONAIS

Revista
JUS ET SOCIETATIS
ISSN 1980 - 671X

Manoel Alexandre C. Belo
Mestre em Direito (UFSC). Mestre e Doutor de Estado em Ciência Política (Universidade de Ciências Sociais de Toulouse, França). Professor da UnP. Pesquisador do  Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).


RESUMO

O texto busca sistematizar os traços dominantes e comuns que podem ser observados nos sistemas transicionais, especialmente no que concerne à mudança societária e padrões de comunicação e participação política. Ao final, reporta-se à teoria da democracia participativa, tomando por base a legislação brasileira.

ABSTRACT

The text aims systematizing the dominant and common traces which can be observed in the transitional systems, especially as far as the societary change and communication standards and political participation are concerned. In the end, it refers to the theory of participative democracy, based on Brazilian legislation.

INTRODUÇÃO

As instituições e valores políticos mudam. Em algumas sociedades, mudanças consideráveis nas instituições e nos valores ocorrem de forma traumática. Em outras, a mudança acontece de maneira lentamente evolutiva, sem perturbações civis manifestas. Entre esses dois extremos, há gradações de estabilidade e instabilidade social. A mensuração de tais gradações continua a ser um problema importante para a pesquisa social e política.
 
A mudança política está claramente relacionada a um grande número de forças econômicas e sociais. O próprio governo, ao iniciar amplos programas de educação, saúde, previdência etc., pode se responsabilizar pelo início de movimentos sociais que acarretarão mudanças políticas. É facilmente demonstrável que a mudança política se situa em meio a uma gama de fenômenos: industrialização, urbanização, automação, educação, cibernética, aumento das comunicações, advento de novas instituições e desaparecimento de outras, dispersão de grupos raciais e outros. Dispor essas variáveis em esquemas analíticos relativamente claros, apropriados ao estudo da Política, enquanto diferente das demais ciências sociais, é infinitamente mais complexo e difícil. Para responder a esse desafio – apresentado aos estudos políticos comparados por um grande número de nações dedicadas à rápida mudança social – foi que a Ciência Política se desenvolveu. São, normalmente, os problemas dessas sociedades transicionais que se tem em conta, quando se cogita de desenvolvimento.
 
O sistema político, nas áreas em transição, distingue-se, em geral, por uma alta incidência de lideranças carismáticas , associadas a numerosas condições críticas. Ao mesmo tempo, as instituições formais de tomada de decisões  gozam de muito baixa reputação, em razão dos níveis elevados de corrupção, e, evidentemente, de reduzido grau de credibilidade e legitimidade. É comum os interesses serem mal articulados e a organização dos grupos de pressão e dos partidos ser complicada por clãs, oligarquias, elites ou grupos étnicos.  Existe também uma taxa muito alta de recrutamento para cargos administrativos, por motivos de clientelismo e apoio político. Muitas vezes o povo está votando, aderindo aos partidos políticos, envolvendo-se com a política, pela primeira vez. Em regra, há também um largo fosso entre a elite, relativamente sofisticada e educada, e a massa popular, com altos índices de exclusão social, analfabetismo e alienação política.
 
Portanto, o processo político, nos sistemas transicionais, detém traços dominantes e comuns que podem ser observados nas formas mais concretas pelas quais se apresentam na maioria dos países. De modo geral, a natureza do Estado e algumas de suas mais importantes funções estão relacionadas com as seguintes condições estruturais:
 
I)O processo político formal (o jogo e a competição entre os partidos, o funcionamento do sistema parlamentar, o sistema eleitoral etc.) na se constitui no aspecto mais importante do sistema político geral. Em boa parte dos sistemas, a forma mais corrente – e também se poderia dizer: estatisticamente normal – de sucessão no poder é mediante golpes de estado. Em outros, os mecanismos constitucionais são débeis e se acham a mercê de forças que escapam ao seu controle efetivo. Essas forças, ou fatores decisivos de poder, representam poderosos grupos de pressão. Tampouco se pode ignorar a grande importância política das organizações religiosas, que, muitas vezes, se vinculam aos “fatores de poder”. O papel dos partidos políticos é variável, devido à sua estrutura débil, inadequada, artificial ou corrupta. Todas essas características traduzem a persistência, às vezes subterrãnea, mas nem por isso menos real, do poder oligárquico, geralmente associado aos grandes grupos financeiros nacionais e internacionais.
 
II)Por outro lado, importantes setores da população, de características acentuadamente tradicionais, como os camponeses, o operariado recentemente urbanizado, as populações indígenas, permanecem, por diversas razões, à margem do processo político formal: muitos são analfabetos e não compreendem os padrões eleitorais; a natureza do sistema de eleições soa, para outros, demasiadamente abstrata e confusa, sendo que a maioria continua ainda submetida a formas tradicionais de dominação (“caciquismo”, caudilhismo, paternalismo etc.). Isso faz com  que sejam facilmente manipuláveis e que não possam chegar a constituir uma força política independente da estrutura de poder existente. Em tais circunstâncias, o apelo das ideologias tem conseqüências escassas; em compensação, as ligações pessoais e os fatores locais, mais concretos e efetivos, influenciam bastante no recrutamento dos eleitores e na orientação política.
 
III)A coesão política em torno do governo é geralmente fraca e seu nível de legitimidade real é baixo. Poderosos grupos de pressão mantêm-se vigilantes e em atividade “independente”; quando algum ato do governo atinge de maneira frontal os seus interesses, lançam-se imediatamente à conspiração para derrubá-lo ou questioná-lo. Assim sendo, uma alta proporção dos governos não pode concluir seus mandatos ou cede àqueles interesses, havendo, pois, uma subordinação real ou aparente dos governantes a tais fatores de influência.
 
IV)Desse modo, a estabilidade e continuidade dos governos tem dependido de sua capacidade em alcançar compromissos políticos que implicam no apoio dos mais importantes fatores de influência. Diante da inexistência de um consenso real e de um suporte generalizado ao poder formal, este é obrigado a se integrar aos grupos mais poderosos e melhor situados estrategicamente para conseguir certa permanência institucional. O procedimento seguido para angariar a simpatia desses grupos à política governamental e interessá-los em sua continuidade, tem relação com as circunstâncias mais concretas e peculiares de cada país e de cada momento histórico. Porém, em geral e quase sem exceção, consiste em alguma forma de privilégio ou benefício econômico que repercute negativamente sobre as possibilidades de desenvolvimento, sacrificando os estratos menos favorecidos da população. Portanto, a cooperação política tem sido alcançada seja mediante a utilização dos recursos orçamentários, seja da adequação da política econômica do Estado às necessidades de concessão de oportunidades excepcionais, ou através mesmo da transferência de recursos aos setores privilegiados. Diversos procedimentos práticos têm sido utilizados nessa política parcial: a inflação, o controle do sistema de preços, a política fiscal, a fixação de salários, a concessão seletiva e preferencial de crédito bancário, o controle de câmbio e a política alfandegária, as licitações, a concessão de serviços públicos etc. O grande crescimento de cargos na burocracia civil traduz igualmente o modo como importantes e numerosos setores médios têm sido incorporados para apoiar o governo. Cada mudança de poder significa invariavelmente um aumento substancial dos cargos, empregos e funções públicas, independentemente das necessidades e exigências do desenvolvimento, que fica assim prejudicado pelas nomeações em massa realizadas por recompensa de “serviços políticos”. A má-versação, o suborno e a corrupção no uso dos fundos públicos são freqüentes e generalizados.
 
V)A situação atual dos sistemas transicionais, mesmo com o processo de globalização (que, certamente, não atenuou esses problemas) é crítica, em alguns sentidos. De um lado, se defrontam com massas marginalizadas que começam a se mobilizar social e politicamente, sendo que grande número delas está concentrada nos centros urbanos, onde pretendem alcançar um nível de vida mais elevado. Essas massas se encontram em condições de subconsumo e com aspirações crescentes, e, por estas e outras razões, revelam grandes possibilidades potenciais para se somarem a um movimento contrário ao status quo. Por outro lado, a estabilidade a curto prazo dos governos depende cada vez mais da cooperação e suporte dos grupos estratégicos, muito embora se torne progressivamente mais difícil conseguir sua integração em torno de uma política consistente e eficaz de desenvolvimento. A sucessão de golpes e as conseqüentes mudanças de governo assim produzidas desde o último pós-guerra, comprovam a debilidade crescente dos compromissos oligárquicos, que não conseguem estabilizar a situação política de modo duradouro. Revelam também a falta de substância das alternativas políticas substitutivas da decadente dominação oligarco-paternalista. Um dos principais paradoxos atuais do poder, nos sistemas transicionais, é a existência de governos frágeis e instáveis em Estados fortes. Poder-se-ia até mesmo afirmar que a própria força dos Estados é uma das principais fontes de debilidade e instabilidade dos respectivos governos. Com efeito, são as possibilidades potenciais de ação à disposição do Estado que intensificam a competição para seu controle. O Estado tornou-se uma presa mais cobiçada  que no passado – e daí a intensificação da luta política entre grupos poderosos para monopolizar o domínio da política econômica. Uma situação de tal tipo poderia ser estável se houvesse a possibilidade de conciliar os mais fortes interesses em conflito, de modo a se conseguir um mínimo de cooperação entre eles. Mas isto se torna difícil, devido principalmente à situação geral de estagnação econômica na maioria dos sistemas transicionais. Conciliar interesses em meio a um processo de desenvolvimento acelerado é relativamente fácil, na medida em que é acompanhado de uma redistribuição progressiva da renda nacional e dos seus incrementos. Ao contrário, quando não existe essa redistribuição, perduram os conflitos, tornando o processo de desenvolvimento irregular e esporádico. Não resta dúvida que os incrementos de renda produzidos pelo desenvolvimento oferecem a perspectiva de melhorar a posição econômica de vastos setores sociais, e conformá-los. Entretanto, quando não há desenvolvimento, ou quando este beneficia apenas pequenos segmentos da população, as escassas oportunidades econômicas existentes derivam forçosamente da ação direta ou indireta do Estado, mediante incipientes políticas redistributivas. 

Por fim, a educação formal está, íntima e complexamente, envolvida com a estrutura sociopolítica. Um dos problemas mais graves dos sistemas transicionais continua a ser, ainda hoje, o do baixo nível de educação dos seus habitantes, considerados como fatores de produção. A educação, nessas áreas, funciona mais como meio para certas classes e grupos manterem vantagens sobre outros, e muito menos como um instrumento essencial ao processo de desenvolvimento, aqui considerado no seu aspecto geral.
 
Qualquer estilo de desenvolvimento exige mudanças de largo alcance nas formas de relacionamento entre as pessoas e entre elas e o Estado. O ideal seria que tais mudanças se orientassem no sentido de uma sociedade mais aberta e melhor integrada, com opções mais livres e maiores perspectivas para o estabelecimento de vínculos associativos voluntários, a todos cabendo o direito de opinar sobre a composição dos governos locais e nacionais. O indivíduo e os grupos, sujeitos a uma gama mais extensa de obrigações para com o Estado, dele exigiriam maior espectro de serviços e de proteções. Para tanto seriam necessários canais institucionais, estabelecidos conforme as necessidades, visando uma interação cada vez mais complexa da informação, da persuasão, da negociação, das pressões, da resistência e do controle, entre os grupos locais e as autoridades. Em princípio, transformações dessa natureza deveriam corresponder a um critério básico para qualquer estilo de desenvolvimento admissível: o aumento da capacidade da sociedade para funcionar, a longo prazo, em benefício de todos os seus membros.
 
É óbvio que as atuais pautas de mudanças nos sistemas transicionais só parcial e deformadamente correspondem a esse quadro ideal. Quase por toda parte é visível o quanto estão alarmadas e insatisfeitas as autoridades nacionais com as deficiências apresentadas  pelos mecanismos de comunicação existente entre eles e a população. Essa insatisfação é ainda mais acentuada em países cujos dirigentes têm objetivos desenvolvimentistas coerentes e pressa em alcançá-los. 

A nível de populações locais, observam-se, em diferentes contextos nacionais: a fé desmesurada na capacidade do Estado para satisfazer as necessidades sociais; um ceticismo marcado em relação à boa vontade e competência das autoridades públicas; a apatia em relação aos estilos de vida e formas de mobilização associadas a seu estilo de desenvolvimento, ou uma atitude de rejeição franca quanto a eles; surtos de violência muitas vezes centrados em problemas aparentemente alheios ao desenvolvimento ou ao bem estar das pessoas nele envolvidas; e, finalmente, uma estrita concentração em certas pautas de “progresso” que geralmente vêm acompanhadas pela apropriação seletiva dos serviços supostamente colocados ao alcance de todos pelo Estado, em prejuízo do que pareceria constituir o mínimo de requisitos capazes de viabilizar uma ordem social e política mais aberta.
 
Em regra, o governo busca abrir e controlar canais de comunicação e de mobilização, mas, ao mesmo tempo, debilita ou domina as instituições que ameacem seus objetivos ou com ele rivalizem ao exigir apoios. Em toda parte tal luta se complica, se desvia ou é paralisada, em certa medida, pela interação nos planos nacionais dos diversos grupos de pressão potencialmente influentes; pela insuficiência de informação e de compreensão, no seio do Estado, sobre a realidade das situações locais e sobre as conseqüências das ações que ele pode empreender; e pelas características especiais dos agentes burocráticos da Administração e de outras estruturas (políticos, empresários, proprietários, líderes de organizações etc.) que se interpõem entre a sociedade e o poder. As autoridades nacionais sempre necessitam de instituições e iniciativas locais articuladas para chegarem a objetivos inalcançáveis por decreto ou pela dotação direta de recursos. Os governantes têm alguma consciência dessa necessidade; ao mesmo tempo, costumam carecer de uma idéia clara do que pode ser conseguido e de como consegui-lo, vendo-se limitados pelo temor de perder o controle das iniciativas locais, ou de que estas imponham exigências indesejáveis ou, mesmo, de que caiam em mãos adversárias.
 
Na prática, alguns problemas implícitos no estabelecer contato com os centros superiores de poder tendem a desmembrar a unidade social, enquanto outros contribuem para uni-la; alguns só dizem respeito aos interesses de pequeno número dos membros da sociedade, outros atingem a maioria. É mais provável que a mobilização de toda a sociedade em torno de algum problema seja algo transitório e pouco freqüente. A luta travada de baixo e os esforços que o Estado empreende de cima são ineficazes, em grande parte errados e, até, contraproducentemente orientados, quanto a seu sentido, se ocorrem em circunstâncias típicas (conflito de objetivos no centro da unidade social, cadeias de intermediários a deformar as mensagens transmitidas para cima ou para baixo, escassa informação e conhecimentos – no âmbito local – dos recursos de que o Estado dispõe sobre os grupos de pressão que o controlam etc.). Evidentemente, a capacidade de atuação coletiva e deliberada dos diferentes grupos, e dos elementos sociais que os integram, é muito variável; mas, em geral, se limitam a realizar tentativas esporádicas, mal focalizadas e fragmentadas, de enfrentar o Estado. Por último, é preciso considerar que as funções de qualquer instituição ou organização com influência real sobre o sistema político, são vistas de modo diverso pelos vários interessados, os quais se esforçarão – de uma maneira ou de outra – para manejar a instituição ou organização, como também para evitar que elas os dominem.
 
A partir destas observações, é possível inferir que os fatores estruturais que prejudicam a mudança societária – bem como a mobilização e a participação das massas no processo político dos sistemas transicionais – são os seguintes: (a) incompatibilidade das estruturas de poder nacional e local com a participação autônoma e organizada da população; (b) incapacidade das pautas atuais de desenvolvimento econômico e mudança social – com seus aspectos de desigualdade crescente, exclusão e dependência – para darem lugar a tal participação; (c) inadequação dos valores e motivações dominantes da sociedade com as relações de participação construtiva ou de cooperação.
 
Em conseqüência, é preciso aperfeiçoar as instituições, de forma a propiciar a realização da democracia participativa. Do século XVIII ao século XXI, o mundo sofreu grandes transformações nesse sentido. Cada uma dessas transformações tentou tornar efetiva uma forma de organização estatal: primeiro, o Estado liberal; em seguida, o Estado marxista-leninista; depois, o Estado social das Constituições programáticas; por fim, o Estado social dos direitos fundamentais, “este, sim, por inteiro capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos” (BONAVIDES, 2001:148).
 
Em todos esses momentos, a Democracia, enquanto método de governo, sofreu avanços e recuos, nos quais se questionaram, a todo instante, as formas de convivência social. Embora persista a dificuldade em conceituá-la, aceitando-a como sistema, processo, filosofia, ideal, crença, o importante é que ela, hoje, pressupõe a participação da sociedade na criação normativa e na gerência da coisa pública.
 
Porém, a participação efetiva e operante da sociedade civil na esfera pública não deve exaurir-se apenas na formação das instituições representativas. Como contraponto às falhas do sistema representativo, e até como alternativa natural, encontra-se sedimentada a idéia de democracia participativa, apoiada no interesse e na autodeterminação política dos indivíduos, possibilitando transformar a apatia concernente ao problema da relação Sociedade/Estado na conscientização da responsabilidade ativa da sociedade. A teoria da democracia participativa levanta, no fundo, os problemas da teoria da democratização: a realização do princípio democrático em todos os domínios da sociedade (CANOTILHO, 1993:409/410).
 
Por outro lado, a participação popular constitui um meio de se alcançar a estabilidade do sistema, visto que altera as relações de domínio e do estilo de decisão, pela conciliação entre representação e participação. Atualmente, não é possível vislumbrar a idéia democrática sem antever a necessidade de criação e de estruturação de mecanismos que ofereçam ao indivíduo meios para participar dos processos de decisão, assim como do controle do exercício do poder, embasado em informações precisas, considerações críticas e na diversidade de opiniões.
 
Dessa maneira, a democracia atual pressupõe referências a um processo que, além do aspecto político, alcança a vida social, cultural e econômica, como, por exemplo, no caso do Brasil, a participação na gestão democrática da cidade e a participação popular nos processos de elaboração e discussão dos planos, diretrizes orçamentárias e orçamentos. A Carta da República, ao declarar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente...”, instaurou no país a democracia participativa, fazendo surgir no seu bojo formas de participação da sociedade na formação e controle dos atos de governo (plebiscito, referendo, iniciativa popular, ação popular, audiências públicas etc.). É possível observar, a partir disto, que o legislador constituinte superou o simples âmbito eleitoral, para projetar a participação democrática em todos os processos sociais e públicos.
 
Robert Dahl, ao conceber a democracia contemporânea, clama, entre outras coisas, pela participação efetiva, o entendimento esclarecido e o controle do programa de planejamento, ou seja: (a) antes de ser adotada uma política pela sociedade, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer os outros membros conhecerem suas opiniões sobre qual deveria ser esta política; (b) dentro de limites razoáveis de tempo, cada membro deve ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas importantes e suas prováveis conseqüências; e, (c) os membros devem ter a oportunidade para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser colocadas no planejamento (2001:49).
 
Ora, ao se tomar como exemplo a Lei Complementar 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), na qual “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas..” (art. 1º, § 1º) e que isto também será assegurado “mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos” (art. 48 e parágrafo único), ter-se-á claramente definida a necessidade de se criar mecanismos que possibilitem tal participação.
 
O resultado disso tudo será, sem dúvida, o entrelaçamento entre a democracia (participação da sociedade na escolha dos rumos e destinos do país), a cidadania (acesso aos espaços públicos de definição de prioridades) e efetivação dos direitos fundamentais, núcleo intangível de uma ordem jurídica que se pretende justa, igualitária, solidária e pluralista.

REFERÊNCIAS

BELO, Manoel Alexandre C. Os grupos de pressão e sua influência no processo do desenvolvimento (Dissertação de mestrado). Florianópolis: UFSC, 1978.
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. Rio: Paz e Terra, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Brasília: UnB, 2001.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
SILVA, Guilherme A. C. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004.